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MULHERES EVANGÉLICAS EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA
1. Além de orar pelas irmãs em situação de violência, o que mais você pode e deve fazer por elas?
A oração é a respiração da fé, um clamor que sai do coração daquela que crê e confia em Deus. É a energia que toma todo ser, de forma plena e enche-nos da Ruah Divina, que é o Espírito Santo. A oração é a energia que nos move a interceder e agir a favor das irmãs em situação de violência. A energia é a nossa fé e a empatia é uma conexão. Sendo assim, é na escuta ativa que podemos colocar nossa fé em ação, servindo as irmãs que sofrem. Mas além de colocar a nossa fé em ação, o que mais podemos fazer por uma irmã em situação de violência?
"O VÍDEO A SEGUIR VAI TE CONTAR SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES EVANGÉLICAS"
2. Há mulheres evangélicas em situação de violência que você conhece?
Infelizmente os dados nos mostram que as mulheres evangélicas também sofrem violência doméstica. Deixamos aqui o relato de uma delas:
“Ele era tão bom comigo, tão carinhoso, tão amoroso, como uma pessoa pode mudar tanto (começa a chorar e depois de algum tempo diz) desculpa é que eu fico com muita raiva quando eu lembro tudo que ele fez eu passar". Rebeca engravidou e quando contou ao pastor que estava grávida ela disse que ele “aceitou numa boa” e a levou ao primeiro ultrassom. Mas:
“...disse para eu não contar pra ninguém ainda porque como ele era pastor da igreja ele precisava me batizar as pressas então marcaria o casamento. Eu me batizei mas nada dele marcar o casamento, a barriga já estava crescendo. Ele comprou roupas largas pra mim e então eu comecei a pressioná-lo aí tudo mudou. A ex mulher dele me procuro novamente e disse que ele a espancava, ela mostrou várias marcas no corpo, que ela já teve o nariz quebrado por ele e uma costela quebrada pelo filho deles e que ele segurou ela para o filho bater. Ela disse que havia saído como safada e que havia ido embora com um rapaz bem mais novo do que ela sim, pois ela não aguentava mais tanto sofrimento. Ele a estuprava, batia enquanto fazia sexo, depois tomava banho, colocava a gravata e ia pra igreja. Uma vez ela me contou que enquanto ele colocava a gravata ela disse: sua consciência não pesa de fazer isso e ele respondeu: Jesus é bom e riu, terminou de se arrumar e foi para a igreja. Como pode um ser humano fazer isso?”
E continua:
“Mas você pensa, ele continuava a pregar escondido por aí em outras igrejas. E então fiquei sabendo que ele estava com outra mulher. Eu já estava com sete meses e não me conformava eu achava que ele tinha caído numa tentação, mas que ele iria voltar pra mim, você acha? Então fui procurá-lo mais uma vez e ele me disse com essas palavras: não se preocupe que Deus me falou que vai cuidar de você e da criança. Daí fiquei revoltada com Deus, que Deus é este? Eu queria uma família, um esposo o que eu iria fazer com três filhos sozinha. Minha mãe me ajudava no que podia e a ex mulher dele também me ajudou. Da igreja ninguém me ajudou porque eu tinha acabado com o ministério do pastor. Nossa eu fiquei tão revoltada, eu não me conformava eu queria justiça. Então ele foi embora com essa mulher pra outra cidade e tá lá até hoje”.
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MULHERES EVANGÉLICAS EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA
3. Há mulheres na bíblia vivenciaram alguma situação de violência?
Dentre todas as narrativas bíblicas apresentadas no Antigo Testamento, o capítulo 19 do livro de Juízes é sem dúvida o lugar onde encontra-se a história mais escabrosa de violência contra as mulheres. A narrativa exemplifica muito bem a relação de subalternidade em que as mulheres estão situadas em relação aos homens. A passagem retrata um pai entregando sua filha e a concubina do levita para serem violentadas por vários homens, no intuito de proteger o levita de ser abusado sexualmente pelos homens da cidade que, após saberem de sua presença, o procuravam, conforme se observa:
"Quando estavam entretidos, alguns vadios da cidade cercaram a casa. Esmurrando a porta, gritaram para o homem idoso, dono da casa: Traga para fora o homem que entrou na sua casa para que tenhamos relações com ele! O dono da casa saiu e lhes disse: Não sejam tão perversos, meus amigos. Já que esse homem é meu hóspede, não cometam essa loucura. Vejam, aqui está minha filha virgem e a concubina do meu hóspede. Eu as trarei para vocês, e vocês poderão usá-las e fazer com elas o que quiserem. Mas, nada façam com esse homem, não cometam tal loucura! Mas os homens não quiseram ouvi-lo. Então o levita mandou a sua concubina para fora, e eles a violentaram e abusaram dela a noite toda. Ao alvorecer a deixaram. Ao romper do dia a mulher voltou para a casa onde o seu senhor estava hospedado, caiu junto à porta e ali ficou até o dia clarear. Quando o seu senhor se levantou de manhã, abriu a porta da casa e saiu para prosseguir viagem, lá estava a sua concubina, caída à entrada da casa, com as mãos na soleira da porta. Ele lhe disse: Levante-se, vamos! Não houve resposta. Então o homem a pôs em seu jumento e foi para casa. Quando chegou em casa, apanhou uma faca e cortou o corpo da sua concubina em doze partes, e as enviou a todas as regiões de Israel. Todos os que viram isso disseram: Nunca se viu nem se fez uma coisa dessas desde o dia em que os israelitas saíram do Egito. Pensem! Reflitam! Digam o que se deve fazer"! (Juízes 19: 22-30)
A narrativa é bastante explicita ao mostrar que a mulher tinha menos valor que o homem e que ela poderia ser usada e ter sua vida retirada, se assim o homem quisesse, a fim de que a vida dele fosse protegida. A mulher não possuía nenhuma condição para lutar contra a violência, ela era retratada como mera propriedade do homem, sendo absolutamente desprovida de qualquer valor intrínseco, ou seja, a mulher tinha tão pouco valor que, o homem, ao entregá-la para ser estuprada, configurava como uma atitude sem valor e naturalizada.
Embora a violência física explícita no texto seja truculenta, é perceptível que a brutalidade da violência simbólica se sobrepõe à violência física, o silenciamento da mulher e sua objetificação são evidentes, conforme afirma a teóloga Adelaide B. Colombo (2017):
É um relato brutal que joga de forma magistral com os silêncios narrativos e que inclui todas as formas imagináveis de violência: física, sexual, religiosa, ritual, simbólica. [...] a própria narrativa exerce a violência simbólica, já que fala de uma mulher anônima mencionada somente em relação ao seu marido, a “concubina de”. A violência se agrava neste relato, já que na hora nem sequer escutamos sua voz [...] principais ou secundárias, as esposas são propriedade do marido – ver Ex 20:17, onde a mulher forma parte da lista de propriedade do homem (COLOMBO, 2017, p. 63-64, tradução nossa).
A rudeza do ser humano, observada em Juízes 19: 22-30, se apresenta aliançada a padrões morais legitimados, conforme citado no livro Juízes e Rute: introdução e comentário (CUNDALL; MORRIS, 1986, p. 188-189):
[...] se um ser humano algumas vez sofreu uma noite de pavor inenarrável, foi a concubina daquele levita, naquela noite, que lhe deve ter parecido interminável como a eternidade, e tão escura como o próprio abismo satânico. Não foi somente a ação dos homens de Gibeá que revela a profundidade abismal dos péssimos padrões morais da época. A indiferença do levita, que se preparou para partir, de manhã, aparentemente sem qualquer interesse em investigar o destino da sua concubina, e sua ordem rude, insensível, a ela, quando a viu jazendo à porta [...] o incidente chocante produziu uma impressão indelével sobre Israel, sendo mencionado pelo profeta Oseias como um dos maiores exemplos de corrupção (Os 9:9; 10:9).